
Quando arquitetura, estratégia de marca e direito imobiliário se encontram: como estruturar contratos de locação que protejam flagship stores de alto investimento.
A inauguração de uma flagship store é um dos movimentos mais estratégicos que uma marca pode fazer.
Mais do que um ponto de venda, a flagship (ou loja-conceito) é uma extensão física da identidade da marca — uma experiência imersiva que traduz valores, estilo e ambições. No entanto, para que essa experiência se consolide de forma segura, é fundamental que a base jurídica da operação, especialmente o contrato de locação (o mais comum), seja pensada com o mesmo cuidado dedicado à arquitetura e ao design.
Recentemente, tivemos a oportunidade de assessorar a Lafort na implantação de sua nova flagship store em São Paulo, na Vila Nova Conceição — um projeto arquitetônico de alto impacto, assinado pelo talento do escritório Luciano Dalla Marta Arquitetura, onde cada linha e material foram escolhidos para transmitir o posicionamento da marca.
Essa experiência me fez lembrar da importância de discutir e compartilhar por aqui, com um pouco mais de detalhe, certos pontos contratuais que, em lojas-conceito, ganham uma dimensão ainda mais crítica.
Os principais cuidados jurídicos na locação de flagship stores
Quando se trata de uma loja-conceito, é comum – e até esperado – que seja feito um grande investimento pelo ocupante (a marca) em remodelação ou readequação do espaço, já que uma loja-conceito é feita para destacar-se, criar posicionamento, impressionar e “conversar” com seus clientes e consumidores.
Se tiver sucesso, a loja-conceito ficará profundamente identificada com a marca e com o ponto em que está localizada. Com o tempo, existirá a tendência natural de o público entender, de forma intuitiva, que aquela loja efetivamente pertence à marca, ignorando o fato de que, na maioria absoluta de casos, trata-se de um imóvel alugado.
Diante desse contexto, alguns temas merecem atenção especial na discussão e negociação de contratos de locação de flagship stores:
- Obras e reformas estruturais: é fundamental prever a possibilidade de intervenções significativas no imóvel feitas pelo Locatário, detalhando permissões, responsabilidades e a titularidade das benfeitorias realizadas. Incluir um projeto das obras a serem realizadas é fundamental, evitando um poder de veto do locador a posteriori em questões fundamentais do design da loja (o que poderia inviabilizar o efeito desejado pela marca). Questões como o direito à indenização (ou não) em caso de rescisão da locação devem ser regradas, assim como a necessidade (ou não) de reversão ao estado original após o término da locação e caso não seja feita a renovação. Vale lembrar que, em lojas-conceito, a reversão ao estado original do imóvel é muitas vezes impossível ou até mesmo indesejável para ambas as partes – podendo ser tão cara quanto a obra inicial. O mais comum é que não haja um direito de indenização, já que o locatário faz as obras por sua conta, risco e às suas expensas, mas que por outro lado não exista uma necessidade de reversão.
- Proteção dos investimentos realizados: o contrato deve estabelecer mecanismos para proteger os investimentos em design e construção realizados pelo locatário, especialmente em caso de término antecipado ou não renovação da locação. Uma indenização, inclusive com fundamento no artigo 273, parágrafo único, do Código Civil, pode ser considerada, sendo geralmente amortizada conforme o decurso da locação.
- Direito de renovação e estabilidade da posse: prazos de locação compatíveis com o retorno do investimento são essenciais, assim como o direito de renovar em condições previsíveis. É sabido que um prazo mínimo de 5 (cinco) anos de vigência do Contrato de Locação traria ao locatário a segurança da ação renovatória (muito importante neste contexto), mas também é sabido que há uma resistência natural de proprietários a concordarem com prazos contratuais longos (5 anos ou mais), exatamente para evitar esse direito. Uma alternativa pode ser o estabelecimento de um mecanismo contratualmente estabelecido de renovação automática da locação, com balizamento de novo aluguel com base em laudos de avaliação. Nesta hipótese, é importante considerar o quanto as próprias obras realizadas pelo locatário poderão impactar o valor avaliado, e incluir a previsão de desconsideração (“carve out”) desses aspectos do laudo de avaliação.
- Venda do imóvel: é importante prever o que acontece se o imóvel for vendido durante a vigência do contrato, incluindo direitos de preferência, cláusula de vigência e manutenção das condições contratuais e eventuais proteções contra ordem de desocupação. O registro/averbação do contrato de locação na matrícula do imóvel é a estratégia mais eficiente para garantir vigência, mas em muitos casos de lojas-conceito a preocupação vai além. Por isso, muitos locatários, neste tipo de contrato, incluem vedação para a venda do imóvel a empresas ou grupos que sejam seus concorrentes diretos. Como o ponto passará a ser profundamente identificado com a marca que ali opera, uma mudança de locatários (e, portanto, de marca) entre empresas concorrentes poderia significar um enfraquecimento da marca que estaria deixando o imóvel, e um fortalecimento da que está assumindo (ex: já imaginaram a Samsung assumir a loja da Apple na 5a. Avenida, apenas trocando o logo?).
- Imagem e exclusividade: em alguns casos (especialmente em shopping centers ou complexos em que o locador tem um controle sobre o entorno), cláusulas que evitem a instalação de concorrentes diretos ou que preservem a imagem da loja e do entorno são estratégicas (conhecidas como cláusulas de raio). Em outros casos, é possível pensar em uma obrigação pós-término do contrato de, por certo tempo, aquele imóvel não ser destinado a uma empresa diretamente concorrente da marca, sob pena de pagamento de indenização (o que, geralmente, é um ponto mais delicado a ser negociado e executado, se necessário).
Cases internacionais que ilustram a importância do tema

Ralph Lauren – Madison Avenue, Nova York
A Ralph Lauren enfrentou uma disputa jurídica após alegar que, por erro interno, assinou um contrato de extensão de locação em condições não intencionadas para sua flagship na Madison Avenue. O caso, ainda em tramitação, mostra como falhas de comunicação e contratos mal interpretados podem gerar obrigações indesejadas, mesmo em lojas consideradas icônicas e de marcas globais.
Isso chama a atenção para uma questão importante: o cuidado contratual com uma flagship store não acaba no momento de assinatura do contrato de locação. A efetiva gestão contratual, com atenção aos prazos e obrigações de lado a lado, são fundamentais para a manutenção da operação desejada naquele imóvel.

Apple Store – 5ª Avenida, Nova York
O icônico cubo de vidro da Apple em Nova York talvez seja o case mais conhecido de uma flagship store. No entanto, nem ele esteve a salvo de tensões contratuais. Na renovação do contrato com o proprietário, discussões sobre aumentos de aluguel e expansão da loja evidenciaram como o sucesso comercial de uma flagship pode alterar drasticamente a dinâmica de poder nas renegociações.

Apple Store – Michigan Avenue, Chicago
Em Chicago, a Apple inaugurou uma loja espetacular às margens do rio — apenas para ver o imóvel ser colocado à venda pouco tempo depois. Embora a operação não tenha sido imediatamente afetada, a venda levantou riscos sobre a estabilidade futura da locação, mostrando como mudanças de titularidade podem impactar operações estratégicas se não forem previstas em contrato. Como não se pode proibir o proprietário de vender o imóvel, a atenção às cláusulas que assegurem vigência contratual face ao novo proprietário nunca é demais!
Conclusão
Expandir fisicamente uma marca de forma icônica envolve uma série de decisões estratégicas — e o contrato de locação é uma das mais críticas.
Proteger juridicamente a flagship store é proteger a alma da marca, seu investimento e sua narrativa. Não se trata de negociar apenas mais um contrato de locação. É preciso levar os riscos a sério, tanto na celebração do contrato de locação, quanto na sua gestão.
Por: Bruno Amatuzzi